Hoje, dia 03 de dezembro, é comemorado o Dia Internacional da pessoa com deficiência. A data foi criada em 1992 na Assembleia Geral das Nações Unidas e tem como objetivo conscientizar a população mundial sobre todos os assuntos relacionados à deficiência, seja ela física ou mental.
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas, aproximadamente 10% da população mundial possui alguma deficiência. Desta forma, trago a vocês a história da administradora de empresas, Gabriela Torquato Fernandez, que encontrou na arte uma nova maneira de se conectar com o seu corpo e reduzir as dores provenientes do uso de uma prótese de desarticulação de quadril. É a dança que transforma olhares, sensações e experiências de vida.
“Tudo depende da forma como você se vê e encara os fatos. Se você se enxergar como um problema é assim que as pessoas vão te ver. O importante é dar a abertura para as pessoas perguntarem sobre a sua deficiência, para que não seja um tabu. Não saber como falar e lidar com a situação, cria ainda mais barreiras e preconceitos em nossa sociedade”, explica Gabriela.
Conhecida carinhosamente como Gabi, a jovem veio ao mundo com onfalocele – má formação congênita na qual os órgãos internos se desenvolvem na parte externa do corpo e ficam ligados ao cordão umbilical. Além disso, nasceu com hemipelvectomia – ausência do membro inferior esquerdo que abrange a perna e a bacia – e catarata em ambos os olhos. Com apenas 24 horas após o seu nascimento passou por uma cirurgia. Aos quatro meses fez novas operações e atualmente, aos 27 anos, comenta que já realizou mais de dez procedimentos.
Gabriela cresceu na Associação de Assistência à Criança Deficiente, mas as inúmeras cirurgias e dificuldades não a impediram de ir em busca de seus sonhos. O apoio da família e dos amigos foi fundamental durante todo o processo. A jovem mostra que a vida é para ser vivida: tocou violão na infância, fez natação, é graduada em administração de empresas, já atuou em um grupo de teatro profissional, realizou pós-graduação em teatro musical e é mestranda em gestão e políticas públicas.
Mas foi em 2016, quando cursava pós-graduação na Escola Superior de Artes Célia Helena, que ela teve o seu primeiro contato com a dança. Tudo começou com o teatro, quando fazia parte de um grupo profissional – Artéria Teatral. Realizou duas ou três montagens, sendo que a última fora um musical. “Não tínhamos playback então começamos a tocar e a dançar, juntamente com a encenação. Foi a oportunidade para sentir o meu corpo de maneira diferente”.
Decidiu voltar a estudar e a fazer uma pós-graduação em teatro musical na Escola Superior de Artes Célia Helena. No local deparou-se com os pilares do corpo, com diversas modalidades da dança, como balé clássico, dança contemporânea, jazz, hip hop, danças brasileiras e sapateado. Eis que conheceu Christiane Matallo, professora responsável por mostrar que a dança é uma arte transformadora de indivíduos.
“Foi muito louco e engraçado, pois sapatear parecia uma coisa sem sentido para mim. Eu não tenho nada da perna. Eu não tenho a bacia e também não tenho quadril. Não consigo ficar muito tempo apoiando na prótese e meu tempo de resposta é diferente. A minha locomoção vem do meu tronco e do meu abdômen. Mas na verdade, apesar de vários eu não tenho e/ou eu não posso; eu estava me divertindo e me descobrindo”, conta Gabi, contente por ter aceitado o convite da professora.
Christiane Matallo chamou Gabriela para fazer parte do grupo de sapateado do Carnaval, que comandava há mais de doze anos. Para desfilar em uma escola, principalmente na avenida, as coreografias devem ser perfeitas. Mérito de muito ensaio e dedicação. Exaustivas repetições de movimentos e sequências com toda a equipe. Elá estava ela, dando o máximo que poderia em prol da dança!
“A dança é um mergulho para dentro de si mesmo. O meu andar também é um dançar, pois não é automático. Assim como para realizar algum movimento desta arte, para me locomover eu preciso ter a consciência da musculatura que vou ativar. Antes de entrar em contato com as aulas eu achava que era normal sentir dores; tive muito problema de saúde por ser muito resistente à dor. Então, a dança me possibilitou criar uma intimidade com o meu próprio corpo e ter a consciência do tipo e do grau de cada desconforto momentâneo. É a percepção de olhar o nosso corpo de forma mais profunda e sistêmica – esse foi o grande ensinamento da transformação pela dança”.
Uma experiência foi levando a outra. Foi o despertar do corpo por meio da dança que possibilitou a abertura de novos olhares, um lugar de pertencimento e criatividade. “Meu caminho com a arte foi muito pessoal, pois nenhum médico me recomendou isso, infelizmente. Eu tive que descobrir isso sozinha e com certeza a dança mudou a minha vida. Fez toda a diferença no processo de conexão e entendimento do meu corpo como um todo”.
Mais uma vez a dança prova que é uma arte formadora e transformadora.
Por Patrícia Marrese